
Como adaptar narrativas políticas para entidades multissetoriais
- João Pedro G. Reis

- 17 de nov.
- 9 min de leitura
Sou João Pedro G. Reis, Diretor Executivo da Communicare, e quero compartilhar um tema que considero estratégico para todos envolvidos em comunicação institucional, política e eleitoral: a adaptação de narrativas políticas em entidades multissetoriais. Vejo que, no mundo real, poucos desafios são tão complexos quanto alinhar discurso, propósito e ação diante de públicos com interesses tão variados. Acredite, uma narrativa bem construída pode definir o sucesso ou o fracasso na missão de engajar, representar e transformar coletivos diversos.
Neste artigo, vou detalhar processos práticos, exemplos concretos e aprendizados adquiridos ao longo de minha carreira para ajudar gestores, assessores e lideranças a conquistarem mais autoridade e resultados utilizando narrativas políticas ajustadas à realidade de entidades que dialogam com múltiplos setores. E para quem busca se aprofundar ainda mais nos pilares da comunicação institucional, recomendo a leitura do nosso guia prático para o setor público e entidades, disponível na plataforma da Communicare.
O que significa adaptar narrativas políticas?
Ao longo da minha experiência, percebi que, enquanto narrativas em campanhas puramente eleitorais são direcionadas, muitas vezes, para um único perfil de eleitor, no contexto de entidades multissetoriais, como conselhos, sindicatos, associações ou federações de profissionais, a situação é diferente. Cada segmento representado tem demandas, expectativas, referências e linguagens próprias.
Adaptar a narrativa política, nesse ambiente, significa encontrar pontos de convergência que respeitem a pluralidade sem diluir o posicionamento da entidade. Gosto de pensar nessa prática como uma costura cuidadosa: é preciso unir tecidos diferentes em uma mesma peça, formando um todo funcional, coerente e respeitoso às diferenças.
Narrativas bem adaptadas transformam divergências em sinergia.
Nesse processo, a comunicação política não pode ser genérica. Deve ser segmentada, estratégica e flexível, capaz de dialogar tanto com grupos técnicos quanto com comunidades de base; com pequenos empresários e servidores públicos; gestores e usuários dos serviços. Segundo estudo da Universidade de São Paulo sobre comunicação estratégica e Agenda 2030 da ONU, o sucesso de parcerias entre setores depende da comunicação assertiva para alinhar diferentes visões e impulsionar os objetivos comuns.
Características de entidades multissetoriais
Antes de apresentar estratégias de adaptação narrativa, preciso contextualizar o que são essas entidades e por que representam um desafio especial.
Heterogeneidade de setores: Conselhos profissionais federais e regionais, sindicatos, associações, federações, cooperativas e conselhos consultivos costumam reunir segmentos que representam interesses econômicos, sociais, territoriais e ideológicos distintos.
Público de múltiplos perfis: Podem abranger profissionais liberais, gestores públicos, trabalhadores, empresas, usuários de serviços e outros agentes.
Decisões por consenso ou maioria: Deliberações políticas e institucionais exigem diálogo entre atores com visões diferentes de mundo.
Polarização potencial: Temas sensíveis, como defesa de direitos, parâmetros técnicos, política salarial, legislação e regulamentações, incitam opiniões diversas dentro da mesma entidade.
Assim, para além das divergências, as entidades multissetoriais precisam fortalecer uma identidade capaz de unir os diferentes segmentos sob propósitos compartilhados. E é nessa intersecção que a narrativa política deve atuar, algo que abordamos em detalhes no artigo como adaptar estratégias de comunicação para eleições em entidades.
Por que adaptar a narrativa é decisivo?
Costumo dizer que, se uma organização fala para todos da mesma forma, acaba falando para ninguém. Em entidades multissetoriais, a narrativa genérica esvazia o discurso e distancia o público estratégico. Já uma mensagem bem ajustada constrói credibilidade, representa interesses e engaja.
Segundo pesquisa publicada na Revista Valore, 91,49% das organizações que alinham suas estratégias de comunicação aos objetivos de negócio conseguem comunicar com mais eficácia aos stakeholders e fortalecer sua imagem institucional. Adaptar a narrativa, portanto, é uma questão de sobrevivência e de protagonismo entre as entidades do novo século.
Nas consultorias da Communicare, já presenciei situações em que entidades perdiam força política por tentarem padronizar discursos, ignorando as especificidades de suas bases. Em outros casos, a fragmentação narrativa gerava ruídos internos e minava a atuação coletiva. Encontrar o equilíbrio passa a ser um trabalho artesanal, que demanda análise, empatia e técnica.
Passos para adaptar narrativas em entidades multissetoriais
Da experiência prática em campanhas, mandatos, conselhos e organizações de diferentes setores, identifiquei alguns passos fundamentais:
1. Diagnóstico aprofundado da entidade
Começo sempre com uma escuta ativa, utilizando não só documentos, mas interações presenciais, entrevistas, pesquisas de opinião e análise de redes. É preciso mapear:
Histórico, conquistas, desafios institucionais;
Composição dos setores representados e seus interesses principais;
Formas de tomada de decisão (assembleias, conselhos, diretorias, grupos de trabalho);
Clima interno: demandas por renovação, fatores de consenso, focos de conflito;
Líderes de referência e instâncias de escuta ativa;
Reputação externa junto ao público-alvo e sociedade.
O diagnóstico correto antecipa obstáculos e oportunidades para uma comunicação mais eficiente e segmentada. Uma fonte consistente sobre a importância desse tipo de processo são os estudos em comunicação organizacional moderna publicados pela USP, que ressaltam como a análise de interesses múltiplos é caminho para maior compatibilidade nas decisões coletivas.
2. Identificação de temáticas convergentes
Procuro listar temas que perpassam todos ou a maioria dos segmentos da entidade. Exemplos frequentes são:
Valorização profissional;
Defesa institucional contra ameaças externas;
Conquistas históricas da categoria ou setor;
Promoção de inovação e atualização técnica;
Ampliação da representatividade e escuta ativa.
Esses tópicos, colocados como eixo central da narrativa, permitem que setores mais diversos se sintam incluídos e reconhecidos. Troquei exemplos sobre isso num dos episódios do nosso podcast sobre consultoria política em campanhas e mandatos.
3. Segmentação da mensagem para públicos internos e externos
É importante desenvolver discursos paralelos, que compartilham valores, mas são ajustados em linguagem, canal e abordagem conforme o público:
Base técnica recebe informações detalhadas, com termos próprios do setor;
Públicos externos recebem mensagens mais simples, que destacam impacto social e relevância coletiva;
Governos/órgãos reguladores demandam análise de dados e defesa baseada em fatos;
Mídia e sociedade preferem histórias, depoimentos e exemplos reais que traduzam a missão da entidade.
Segmentar é respeitar as singularidades de cada grupo.
4. Construção de consensos sem anular divergências
Em assembleias e reuniões decisórias, a narrativa precisa dar espaço tanto para convergências quanto para diferenças legítimas. Uso técnicas de facilitação, escuta empática e prática de mediação para criar ambientes seguros, onde todos conseguem expor suas visões sem se sentirem ameaçados ou sub-representados.
O relato de experiências diversas fortalece o senso de pertencimento. É nessas ocasiões que a comunicação se prova estratégica: aproximando narrativas, reduzindo ruídos e evitando que pequenas crises ganhem dimensões maiores.
5. Alinhamento contínuo e monitoramento
Narrativa adaptada é narrativa monitorada. Faço avaliações periódicas, com instrumentos qualitativos e quantitativos, para saber se a mensagem tem eco e gera engajamento. Feedbacks obtidos por canais digitais, pesquisas rápidas e análise de comportamento nas redes dão pistas valiosas para ir ajustando a rota.
A adaptação não termina nunca, é um processo de construção permanente, em que a escuta interna e externa são fundamentais para manter a narrativa viva e coerente.
Instrumentos práticos para adaptar a comunicação
A experiência tem mostrado que a combinação de ferramentas digitais com práticas presenciais aproxima, amplia o alcance e favorece o diálogo em entidades multissetoriais. Veja algumas ideias aplicáveis:
Encontros temáticos presenciais e online divididos por segmentos;
Pesquisas de opinião rápida enviadas por WhatsApp, e-mail ou apps de votação;
Materiais audiovisuais ou podcasts segmentados para públicos internos e externos;
Ambientes digitais colaborativos, como grupos fechados para discussões técnicas;
Campanhas de storytelling no Instagram, Facebook, LinkedIn e TikTok, priorizando relatos reais de membros da entidade;
Páginas e hotsites para pautas de interesse coletivo, unindo dados estatísticos, depoimentos, vídeos e cronologias históricas.
Aprendi, por exemplo, que organizar audiências públicas digitais para mandatos locais pode ser decisivo, pois esses espaços democratizam o acesso e valorizam o contraditório, como já discutimos em nosso conteúdo sobre organização de audiências públicas digitais.
Como desenhar uma narrativa transversal?
Costuro uma narrativa transversal a partir de três elementos:
Um propósito institucional legitimado, o “para quê” da existência da entidade, exposto em linguagem simples;
Valores inegociáveis do coletivo, ética, transparência, defesa dos direitos, compromisso com a diversidade;
Agenda positiva, resultados concretos, conquistas, benefícios práticos já entregues e planos de médio e longo prazo.
Esses três pilares precisam estar presentes em todo material (fala, carta, post, vídeo ou documento oficial). Uma narrativa verdadeiramente transversal dobra sua força ao criar senso de pertencimento no coletivo, sem ignorar as singularidades de cada grupo interno.
O segredo é não suprimir as particularidades, mas integrá-las a um projeto comum, ancorando cada reivindicação no avanço conjunto dos setores representados.
Linguagem, canais e formatos: o que funciona melhor?
Aprendi que, trabalhando com entidades multissetoriais, linguagem neutra e clara costuma ser mais compreendida e aceita. Evito jargões que excluem determinados públicos. Prefiro frases curtas, objetivas e que transmitam transparência. O mesmo raciocínio vale para formato e canal:
E-mails para comunicados institucionais ou consultas formais;
Grupos segmentados de WhatsApp para conversas rápidas e direcionadas;
Lives e reuniões para sensibilização e debates de temas mais polêmicos;
Posts visuais para engajamento em redes sociais e divulgação de conquistas;
Relatórios anuais e newsletters para prestação de contas e aprofundamento de temas estratégicos.
Estudo sobre a evolução digital das relações públicas na USP mostra que o uso de mídias sociais adaptadas para públicos distintos reforça o vínculo institucional e aumenta a incidência dos stakeholders na construção das narrativas organizacionais.
Casos reais e exemplos práticos
Poderia citar dezenas de situações nas quais a adaptação narrativa transformou a relação entre entidade e seus representados. Compartilho três exemplos que vivi de perto:
Sindicato nacional com bases regionais divergentes
Fui chamado para orientar a comunicação de um sindicato de servidores públicos federais com atuação nacional. Havia forte tensão entre as demandas do eixo Sul-Sudeste, marcadas por foco técnico, e as do Norte-Nordeste, onde predominavam pautas salariais de impacto social. A estratégia foi criar campanhas paralelas, em formatos adequados para cada região, e depois uni-las sob o mote “Juntos pela valorização do serviço público”, transitando do particular ao coletivo. O resultado foi uma ampla mobilização e engajamento acima do previsto.
Associação médica durante debate regulatório
Participei de um momento de crise, quando decisões legislativas afetariam a regulamentação profissional de áreas médicas específicas. Desenvolvemos uma narrativa de defesa institucional, baseando-nos na proteção da saúde pública e da valorização do conhecimento técnico, mas, internamente, discutimos também os impactos econômicos para cada especialidade. Assim, os médicos se sentiram integralmente representados, sem perder a identidade de grupo.
Federação de cooperativas de diferentes ramos
Na federação de cooperativas, setores agrícolas, de crédito e saúde sentiam-se invisibilizados diante do protagonismo histórico de outros ramos. Estruturamos uma narrativa baseada em legado, inovação e benefícios mútuos, comunicando as conquistas de todos e criando espaço para cada segmento apresentar suas demandas em painéis técnicos intersetoriais. A escuta ativa foi fundamental para que todos percebessem a valorização de suas particularidades dentro do projeto coletivo.
Dificuldades e armadilhas comuns
O processo não está livre de obstáculos. Alguns desafios que observei com frequência:
Resistência de grupos tradicionais em aceitar mudanças narrativas;
Setores minoritários que se sentem sub-representados nos discursos oficiais;
Discrepância entre discurso e prática, quando promessas não se concretizam em ações;
Excesso de linguagem técnica, que afasta os públicos menos especializados;
Ruídos causados pela fragmentação de canais e falta de padronização visual.
Todos esses riscos podem ser minimizados com planejamento, escuta, transparência e monitoramento inteligente. Um conselho que dou é estruturar a comunicação digital usando links internos coerentes, como discutido em nosso artigo sobre estruturação de links na comunicação política digital. Isso facilita o acesso à informação e fortalece a identidade da organização.
Coerência narrativa se conquista, não se decreta.
Como medir o impacto da narrativa adaptada?
Defendo uma abordagem quantitativa e qualitativa. Alguns indicadores possíveis:
Mudança positiva de percepção institucional apontada em pesquisas internas e externas;
Participação crescente de membros em reuniões, assembleias, audiências e ações institucionais;
Repercussão de conteúdos em redes sociais e mídia espontânea, índice de compartilhamento e comentários;
Solidez nas negociações políticas junto a governos, parlamentos e órgãos reguladores;
Capacidade de reação rápida em situações de crise, evitando ruídos e conflitos graves.
O segredo está em não se acomodar: medir, avaliar e ajustar constantemente são passos fundamentais para manter a narrativa conectada aos interesses reais do coletivo.
Conclusão
Adaptei inúmeras narrativas políticas ao longo da minha trajetória, e a certeza que trago comigo é direta: a comunicação eficaz é aquela que escuta, aprende, inclui e transforma. Para entidades multissetoriais, cada voz importa, e só uma narrativa bem construída é capaz de unir tantos segmentos em torno de objetivos compartilhados e resultados concretos.
Se você busca fortalecer a identidade da sua entidade, ampliar o engajamento das bases e conquistar mais credibilidade institucional, recomendo iniciar esse processo hoje mesmo. Para compartilhar seu desafio, conhecer as soluções da Communicare e receber uma análise consultiva sob medida, basta acessar o formulário de contato em nosso site. Estou pronto para ajudar sua organização a conquistar relevância, unidade e resultados de modo estratégico e personalizado.
Perguntas frequentes (FAQ)
O que é uma entidade multissetorial?
Uma entidade multissetorial é aquela que representa, em sua estrutura, diversos grupos ou segmentos com interesses, realidades e demandas distintas. Podem ser conselhos profissionais, sindicatos, federações, associações ou coletivos que reúnem públicos variados, precisando conciliar diferenças em torno de objetivos comuns.
Como adaptar narrativas políticas com sucesso?
Para adaptar com sucesso, é preciso realizar um diagnóstico detalhado da entidade, identificar temas convergentes, segmentar mensagens conforme o público e avaliar periodicamente os impactos da comunicação. Escuta ativa, flexibilidade e clareza são indispensáveis nesse processo.
Quais são os desafios mais comuns?
Os desafios mais comuns envolvem resistência de grupos tradicionais à mudança, sub-representação de setores minoritários e ruídos por excesso de linguagem técnica. Além disso, a falta de alinhamento entre discurso e prática pode minar a confiança e a unidade da entidade.
Por que adaptar a comunicação é importante?
Adaptar a comunicação é fundamental porque permite que cada segmento internalize o propósito da entidade, fortalece a identidade coletiva e aumenta o engajamento dos públicos estratégicos. Uma narrativa adaptada facilita negociações, amplia a legitimidade e garante representatividade efetiva, como demonstram pesquisas recentes em comunicação institucional.
Que exemplos de narrativas adaptadas existem?
Há exemplos diversos, como sindicatos que personalizam campanhas conforme a região, associações que ajustam discursos para setores internos e entidades que promovem relatos reais para engajar diferentes públicos. Essas práticas aparecem em casos reais do artigo e ilustram como a construção de consenso amplia a força da narrativa política.




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