
Como adaptar campanhas políticas a cidades com pouco acesso digital
- João Pedro G. Reis

- 10 de nov.
- 8 min de leitura
No Brasil de 2024, comunicar-se com cidadãos é um desafio repleto de nuances locais. E nas cidades em que o acesso digital ainda está longe de ser universal, essa tarefa ganha contornos bastante particulares. Como diretor executivo da Communicare, venho acompanhando de perto a evolução dos números a cada eleição. A verdade é que, mesmo diante dos avanços tecnológicos expressivos no país, ainda existem milhões de brasileiros à margem da era digital, sobretudo em áreas rurais e em pequenas cidades.
Campanhas vitoriosas começam onde o eleitor está.
Sem entender essa máxima, campanhas políticas em cidades de baixo acesso digital acabam desperdiçando recursos, desperdiçando votos e, principalmente, desperdiçando oportunidades de diálogo genuíno. Quero compartilhar minha visão estratégica sobre como adaptar campanhas políticas nessas realidades, mostrando exemplos, dados de pesquisas recentes e técnicas práticas para transformar limitações em vantagem competitiva.
O cenário do acesso digital no Brasil: o que dizem os dados mais recentes?
O acesso à Internet no Brasil cresceu muito nas últimas duas décadas. Segundo estudos como os levantamentos sobre a evolução do acesso à Internet, 85% das residências tinham conexão em 2024. No entanto, esse número esconde desigualdades regionais e sociais relevantes.
Também é preciso olhar para a diferença entre zonas urbanas e rurais: em 2023, 94,1% dos domicílios urbanos estavam online, enquanto apenas 81,0% dos rurais tinham acesso, conforme as informações mais recentes do IBGE . Isso representa ainda 5,9 milhões de casas completamente desconectadas, principalmente por falta de conhecimento ou custo elevado.
No fundo, há um Brasil digital e outro ainda desconectado convivendo lado a lado. Campanhas políticas precisam enxergar essa pluralidade – cada eleitor em seu contexto, cada cidade com seus desafios.
Por que cidades com pouco acesso digital exigem estratégias específicas?
Nos meus anos ajudando candidatos, sindicatos e entidades de classe em cidades pequenas, vejo dois fatores sempre presentes: cultura local forte e desigualdade de acesso à informação. Os moradores muitas vezes se informam mais pelo boca a boca, pelo rádio ou mesmo pelo mural da padaria do que pelo Instagram ou WhatsApp.
Ignorar o contexto digital reduzido é desperdiçar energia e orçamento em ferramentas ineficazes. Não basta replicar a estratégia de grandes centros urbanos. É necessário adaptar, resgatar técnicas consagradas de campanhas presenciais e integrar, quando possível, canais digitais com muita criatividade.
Vantagens e desafios ao atuar em cidades pouco conectadas
Esse cenário oferece desafios, mas também abre portas que candidatos atentos sabem aproveitar. Entre as vantagens de atuar de forma presencial estão a construção de vínculos reais e o fortalecimento de apoios que, em ambientes digitais, podem ser superficiais.
Presença constante gera reconhecimento espontâneo.
A proximidade desperta confiança e senso de comunidade.
Personalização da mensagem é mais direta e humanizada.
Por outro lado, os desafios giram em torno da logística (mais visitas, mais material impresso, equipe maior em campo) e da limitação na velocidade de resposta, diferente de uma postagem viral que pode mobilizar centenas de pessoas em segundos.
Como identificar o grau de acesso digital do município?
O primeiro passo que sempre oriento é fugir de suposições e buscar dados. Algumas perguntas ajudam nesse diagnóstico:
Quantos domicílios têm acesso à Internet atualmente? Há diferença marcada entre bairros?
Quais faixas etárias acessam dispositivos digitais, e onde?
Os jovens do município usam redes sociais? Com que frequência?
O sinal de celular é estável na zona rural?
Essas informações podem ser conseguidas em pesquisas locais, conversas com lideranças comunitárias, comércios e órgãos públicos. Inclusive, já atuei em cidades em que o sinal de rádio local era mais ouvido que qualquer podcast da moda.
Outras fontes valiosas vêm de institutos, como as estatísticas atualizadas sobre penetração da Internet. E para entender diferenças entre digital e presencial, recomendo conhecer meu artigo sobre mapeamento digital versus tradicional do território eleitoral.
Quem conhece seu território, constrói estratégias mais certeiras.
Estratégias offline: resgate das campanhas clássicas e criatividade
Quando falo em adaptar campanhas, não defendo abandonar o mundo digital, mas atualizar o peso das ferramentas conforme a realidade. Em cidades com pouco acesso, isso significa dar protagonismo aos canais offline, fortalecendo vínculos e presença física.
1. O poder do corpo a corpo e visitas porta a porta
Fiz campanhas em cidades que só acreditam em candidato que olha nos olhos. O contato pessoal devolve a campanha o que ela tem de humano e autêntico. Treine sua equipe para abordar com respeito, escuta ativa e repertório local.
Tenha um roteiro claro, ouvindo antes de falar.
Respeite horários e costumes locais.
Deixe materiais simples: cartão, panfleto, WhatsApp do comitê (para quem usa).
Esse trabalho constrói reputação sólida e é insubstituível em cidades pequenas.
2. Uso estratégico do rádio e alto-falantes
O rádio segue invicto em muitos municípios, especialmente nas manhãs e finais de tarde. Anuncie em horários de pico, valorize jingles locais e promova entrevistas ao vivo. Alto-falantes em carros de som, bicicletas ou até em praças ainda funcionam, desde que o conteúdo seja relevante e respeite as normas locais.
A presença do rádio local estimula a participação comunitária e o debate público, ampliando o alcance das propostas mesmo onde o digital não chega.
3. Materiais impressos: qualidade vale mais que quantidade
Em cidades onde rede social é a esquina do mercadinho, panfletos, banners, faixas e santinhos ganham força. Mas nada de poluir visualmente ou insistir em excesso:
Invista em poucas peças, com visual limpo e mensagem direta.
Opte por materiais recicláveis e ecologicamente corretos, quando viável.
Mapeie pontos de encontro: padaria, igreja, postos de saúde.
O material impresso circula de mão em mão e chega onde nem sempre o digital alcança.
4. Comícios regionais e eventos comunitários
Nada substitui o calor de ver as pessoas reunidas para ouvir propostas ao vivo. Agende comícios em bairros, chácaras, comunidades rurais, sempre com estrutura acolhedora e aberta ao diálogo. Incluir atrações culturais da cidade gera pertencimento e aproxima o discurso do cotidiano das pessoas.
Ouvir mais do que falar é o diferencial.
Registrar imagens desses encontros gera material para uso posterior, inclusive em canais digitais quando possível.
5. Mobilização de lideranças locais e agentes multiplicadores
Em todas as eleições que conduzi, percebi o poder de lideranças comunitárias, professores, presidentes de sindicato, comerciantes. São eles os multiplicadores naturais de mensagens políticas. Promoção boca a boca, reuniões informais e colaboração com associações ampliam o alcance de quase qualquer proposta.
Quem convence os líderes, convence a comunidade.
6. Envolvimento de associações, conselhos e sindicatos
Campanhas bem-sucedidas sabem integrar as demandas das associações de bairro, conselhos de classe e sindicatos locais. Muitas dessas entidades não têm grande presença digital, mas reúnem pessoas de diferentes gerações pessoalmente. Participar de eventos dessas organizações, ouvir seus anseios e construir pautas conjuntas fortalece a imagem do candidato e enriquece a campanha.
Vale buscar inspiração em conteúdos como o artigo sobre adaptação de estratégias de comunicação para eleições de entidades.
7. Comunicação visual urbana (faixas, murais e painéis)
O impacto de faixas, murais e outdoors em áreas de grande fluxo é uma tradição das cidades pequenas. É importante ser criativo sem ser invasivo, evitando sobrecarregar espaços públicos. Mensagens breves, com destaque para a imagem e o número do candidato, ajudam na memorização.
Para quem busca orientações sobre fortalecimento de mandatos em municípios menores, recomendo meu conteúdo sobre autoridade digital em mandatos municipais pequenos, tema que dialoga com o equilíbrio entre presença física e reputação digital.
Integração do digital com o offline: quando e como faz sentido?
Mesmo em cidades com acesso digital limitado, não se deve abandonar completamente o online. Sempre encontro jovens em lan houses, praças com Wi-Fi público e até aplicativos de mensagem funcionando na zona rural. A integração entre meios é possível, mas exige criatividade e foco.
Pontos de Wi-Fi gratuito: incentive divulgação de propostas em grupos locais e terminal de ônibus, com QR code simples para baixar materiais.
Rádio e panfletos promovendo canais digitais: estimule o uso do WhatsApp do comitê, Facebook ou Instagram, para quem tiver acesso.
Reuniões híbridas: faça transmissões online de encontros presenciais, mesmo que com alcance modesto, para envolver o público conectado.
Esse uso complementar, longe de ser exclusão, amplia o alcance da mensagem e moderniza a imagem da campanha.
Para se aprofundar em acessibilidade digital e campanhas inclusivas, indico o artigo sobre acessibilidade digital em campanhas eleitorais, também aqui no blog da Communicare.
Exemplo prático: campanha em município de 15 mil habitantes
Recentemente, conduzi uma campanha em uma cidade do interior mineiro de cerca de 15 mil habitantes. Lá, segundo os líderes locais, o principal meio de informação era o rádio comunitário. Aplicamos um mix de ações offline e digitais pontuais:
Visitas porta a porta organizadas em roteiros semanais, com abordagem personalizada e material de fácil leitura.
Alianças com o sindicato local e associações rurais, produzindo cartazes em pontos estratégicos.
Entrevistas semanais no jornal local e nos cultos de domingo, além de presença em feiras livres.
Criação de um grupo no WhatsApp para jovens engajados, que repassavam as informações às famílias.
O resultado foi aumento expressivo no reconhecimento do candidato e maior adesão de eleitores que nunca tinham participado ativamente das eleições locais. Uma estratégia adaptada ao território gerou engajamento, debate e votos reais.
Como mensurar o sucesso em campanhas em cidades desconectadas?
Sempre falo aos candidatos: resultados em cidades com pouco acesso digital são percebidos no contato direto, nas ruas, no mercado, nos eventos da igreja. Ouvir o retorno da comunidade, contar a quantidade de conversas produtivas e anotar dúvidas recorrentes são formas de avaliar impacto.
O material impresso tem retorno? As pessoas mencionam ter recebido?
Alguém comenta sobre sua fala no rádio ou participação em evento?
O comércio está mais aberto ao diálogo?
Além disso, sempre oriento contratar pesquisas de opinião simplificadas, presenciais, voltadas a medir reconhecimento e intenção de voto após as ações de comunicação, nunca confiando apenas em palpites ou naqueles “achismos” que acabam prejudicando decisões.
Quais erros evitar em campanhas para cidades de baixo acesso digital?
Ao longo dos anos, testemunhei vários equívocos que sabotam candidaturas em municípios desconectados. Entre os mais comuns, destaco:
Investir a maior parte do orçamento nas redes sociais, ignorando canais offline tradicionais.
Produzir excesso de material impresso, provocando desperdício e rejeição popular.
Desconhecer hábitos culturais locais, passando a imagem de “estrangeiro”.
Desvalorizar lideranças e agentes multiplicadores já estabelecidos na região.
A chave é calibrar o repertório digital com o humanismo das campanhas presenciais. E, principalmente, adaptar tudo ao território, ouvindo muito e falando com honestidade.
Comunicação política adaptada: lições finais e próximos passos
Campanhas políticas em cidades pouco digitais pedem estratégia, conhecimento do cotidiano local e integração de meios presenciais com digitais – sempre que possível. A experiência que compartilhei aqui é resultado de anos acompanhando candidatos, conselhos, associações e sindicatos de perto, de norte a sul do país.
Se você busca resultados melhores e maior aproximação com o eleitorado de sua região, recomendo fortemente a leitura sobre marketing político em cidades pequenas com estratégias práticas aqui no blog da Communicare.
Por fim, lembre-se: mais do que tecnologia, campanhas precisam de estratégia humana e conexão verdadeira. Quem se adapta ao ritmo local e constrói presença física consistente consegue resultados surpreendentes, mesmo com orçamento limitado e poucos recursos digitais.
O eleitor não quer apenas ser convencido, quer ser ouvido.
Se você quer transformar sua campanha, mandato ou sindicato em exemplo de proximidade e engajamento autêntico, preencha o formulário no site da Communicare. Vamos conversar sobre os desafios específicos da sua cidade e traçar juntos o melhor caminho para alcançar resultados de verdade. Seu sucesso começa com uma conversa estratégica, e, na Communicare, estamos prontos para ajudar.
Perguntas frequentes
Como fazer campanha sem internet?
Campanhas fora do digital dependem de maximizar o contato presencial: visitas porta a porta, conversas com a comunidade, comícios em praças e participação em eventos locais. Usar rádio, materiais impressos e líderes comunitários também amplia o alcance. O segredo é ser constante e adaptar o discurso ao cotidiano do eleitor, como ensinei nas estratégias deste artigo.
Quais meios offline são mais eficazes?
Os meios offline mais eficazes são aqueles já integrados ao cotidiano da cidade: rádio comunitário, visitas presenciais, panfletagem em pontos de fluxo, faixas, murais e eventos culturais. A presença de lideranças locais impulsiona a mensagem, tornando a campanha confiável e relevante para a população.
Vale a pena investir em mídias tradicionais?
Sim, em cidades com pouco acesso digital, investir em rádio, impressos e alto-falantes é estratégico. Esses canais alcançam eleitores fora da Internet e criam memórias afetivas. Mas todo investimento deve ser alinhado à realidade local e aos hábitos da população para evitar desperdício.
Como alcançar eleitores sem redes sociais?
O alcance pode ser ampliado com a mobilização de líderes locais, boca a boca, eventos presenciais, pontos de encontro populares e materiais físicos feitos com cuidado. Integração com rádio e presença constante em locais públicos reforçam a imagem do candidato e geram confiança, mesmo sem uso de redes sociais.
Quais erros evitar em cidades desconectadas?
Evite sobrecarregar a cidade com materiais impressos, ignorar costumes locais ou apostar tudo nas poucas redes digitais ativas. Não subestime a importância de ouvir as necessidades reais do eleitor e de envolver lideranças comunitárias. Adaptar-se ao contexto é o que diferencia campanhas vitoriosas daquelas facilmente esquecidas.




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